quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Faixa a Faixa nº 10 - Queimarás no Inferno

Faixa a faixa são posts onde falo um pouco das músicas que fiz na estrada. As mais queridas, as mais difíceis, as mais inspiradas...enfim as minhas mais mais, para quem quer saber um pouco mais e passa por aqui. Vou escrevendo conforme bater vontade...
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Queimarás no Inferno - (Zupo) - Single lançado em 2016

Queimarás no Inferno é a angústia do excluído, do sujeito que estorva, incomoda inconscientemente e por vezes intencionalmente, por vingança que creia justa, por rebeldia ou auto sabotagem e às vezes até por diversão. Por que não? Por que não enfiar o dedo na tomada? Por que não buscar uma dor maior para apagar uma que já o corrói? Por que não? Se pelo sim, pelo não...
Essa letra veio crescendo desde um momento dentro do Pedra em que eu vinha constantemente buscando aparar, em letras e arranjos, aquilo que para o novo álbum me soava rebuscado para o momento. A banda vinha de um álbum, Pedra II 2008, cheio de complexidades em termos de arranjos, gravações e produção (que eram perfeitas para aquele álbum e momento) e eu lutava internamente para tentar diminuir isso para um novo álbum mais crú e direto, para não nos repetirmos, estigmatizarmo-nos e ser algo mais rápido, direto ao ponto e menos estressante... Bem, foi mais cru, direto ao ponto mas não menos estressante, pelo contrário, o álbum se tornou uma saga de muitos anos, idas e vindas, porém considero nosso álbum mais maduro e creio que se houvéssemos sobrevivido talvez entrássemos finalmente no estágio e patamar artístico que eu sempre sonhei para a banda desde que a montei em fim de 2004.
A banda já havia lançado 5 singles em 2010 quando começamos um terceiro álbum porém ficamos separados durante um ano e meio entre 2011 e 2012 e esse terceiro álbum tomou forma e encontrou, creio eu, uma desculpa de ser e existir durante o conturbado ano de 2013 e seus protestos na rua, que pode-se dizer marcaram um início desse tempo tão conturbado que já nos trouxe até aqui (2019) tão tempestuosamente e sem vislumbre de calmaria próxima...talvez queimemos no inferno finalmente.
Enfim... juntamente a isso se iniciava em minha cabeça uma idéia de chamar meu antigo parça de Big Balls, de Bagus Plenus, de noites de cicuta, Paulo de Tharso (R.I.P.) para uma possível participação no álbum e Queimarás no Inferno era absolutamente a cara do Paulo. Ele era a própria descrição do sujeito da ação. Quando em descida era a própria velocidade da queda, assim como sua bipolaridade o jogava aos céus Dionisíacos na mesma intensidade.
A letra estava já praticamente pronta, ou pronta mesmo, quando nos falamos e combinamos que viesse ao estúdio para ouvir e possivelmente burilá-la com algum coelho que ele tiraria da cartola.
Ficamos combinados de que ele viria na próxima quarta feira. Infelizmente ele teve de furar pois havia recebido um texto que teria de decorar e combinamos para a próxima quarta feira, que nunca chegou. Paulo partiu na terça feira 14/05/2013, um dia antes de reatarmos nossa parceria e nunca ouviu Queimarás no Inferno.
Ficou um vácuo terrível e aquela eterna sensação de interrogação quando pessoas marcantes na nossa vida se vão. Tremenda porrada foi ler seu último post no facebook um dia antes de sua partida onde ele cita o texto que tinha de decorar e uma possível insegurança, "secarem as palavras" e uma esperança de semana "cheia de sílabas e suspiros". Nunca saberei se ele se referia a nosso encontro no dia seguinte no estúdio, que nunca aconteceu mas creio ou gosto de crer que era, afinal parece bem óbvio a mim. Sei que ele estava um tanto nervoso pois além de querer que dessa parceria nascesse algo no nível que gostaríamos, quem sabe se abriria no Pedra ao reativarmos nossa antiga parceria um possível novo canal para ele escoar novas músicas. Ele sabia que no próprio primeiro álbum do Pedra eu havia escrito a letra e finalizado duas músicas que havíamos tentado fazer em 2000 numa possível volta do Big Balls mas que ficaram sem letra. Tornaram-se "O Galo Já Cantou" e "Madalena do Rock'n Roll". E no próprio início do Pedra alguém veio falar comigo que havia encontrado o Paulo e perguntado sobre o Big Balls e ele havia dito que ele não estava e que agora se chamava Pedra. O Paulo tinha umas dessas, uma resposta meio de garoto machucado que queria estar no jogo, para no segundo seguinte falar Foda-se, vamos beber uma.
Sei que era importante para ele essa possível parceria e gravar uma faixa no álbum novo do Pedra. Naquele momento nem meus parceiros de banda eu acho que sabiam da minha intenção mas o Tharso estaria no Fuzuê! Tenho certeza que os "Pedra" o receberiam de braços abertos para essa faixa e orgulhosos de contar com sua participação.

Aqui seu último post público no facebook: 






  
  



Como gravar essa faixa após isso? Como gravar uma canção feita para seu parça cantar, chamada Queimarás no Inferno? Ainda que seja óbvio que nada tem a ver com o inferno bíblico, mas a força da palavra sempre nos dá na cara. Após sua partida? Cadê seu brother que iria interpretar isso com a verdade que corria nas veias do sujeito da oração? PQP! Como vc pôde morrer, man? Tá...Você vivia dizendo que iria morrer cedo e logo mas era mentira, carajo. Era cena, sempre era cena.
Durante um ano não olhei mais para a música até recomeçar a tentar colocá-la no álbum. Tentei cantá-la. Não funcionou. Tentei fazer Rodrigo Hid cantá-la (e PQP, Hid canta e interpreta maravilhosamente bem), não funcionou. Tenho quase certeza que fiz a Tata Martinelli gravar uma versão (Tata gravou backings maravilhosos no Fuzuê! e já fizemos vários trabalhos juntos, Uma das maiores cantoras da lida)..... a canção não nascia e não entrou no Fuzuê! Eu não podia gravá-la sem ter uma interpretação que me convencesse, que doesse a ponto de cutucar a ferida da letra e da dor da partida do parça.
A banda acabou. Eu estava totalmente esgotado após 10 anos de trabalho insessante. 3 álbuns gravados no meu Overdrive Estúdio, centenas de horas de ensaio, composição, gravação, filmagens, edição de shows, produção de cds, ininterruptamente 25 hs por dia trabalhando. Por mais obstinado que eu seja em nenhum outro momento da minha vida eu havia entrado em um círculo vicioso workaholic tão extenso e intenso e o que fiz assim que a banda acabou? Montei outra... Não sei se estava pronto, acho que não estava mas precisava. Precisava me provar ainda competente. Precisava acreditar que não tinha perdido a chama.
Precisava montar um show cru, direto ao ponto, como quis o Fuzuê!, precisava tocar um pouco das parcerias com o Paulo dos tempos do Big Balls, com a aspereza e pegada hard rock que tinham e assim o fiz. Um show no Sesc Belenzinho e um Live Sessions bem capturado com um time selecionado a dedo mas antes disso precisava lançar algo inédito; porque eu acho que tem sempre de lançar algo novo que justifique um show novo e é por isso que estou em entre safra agora. Tenho quase 70 músicas gravadas e poderia tentar fazer algum outro show mas quero recomeçar algo, viver no presente visitando o passado.
Queimarás no inferno estava lá, na gaveta, presa, trancada, frustrada e deve ter ela mesma soprado o nome de Fernando Janson nos meus ouvidos. Janson absolutamente nada tinha de parecido com o Paulo de Tharso, exceto em um ou dois traços da personalidade mas que eram cruciais para tentar trazer essa canção à vida. A intensidade, a dramaticidade e uma necessidade de fazer arte acima do ego, não desprovido dele porque ele alimenta também a vontade de fazer algo bem feito, mas a busca de algo que transcenda apenas uma faixa para ter a arrogância de querer ser uma obra. E dor, claro. Essa interpretação tinha de carregar essa dor embutida.
Talvez se o Paulo a tivesse gravado houvesse um elemento cafajeste nesse inferno. Ele zombaria em algum momento dessa angústia como uma defesa e porque enxeria o saco. Deu, vamos beber.
Mas havia um elemento entre essas duas interpretações. Um tempo chamado morte e tudo o que acontece na vida impregna o resultado.
Janson entrou no estúdio com Baco e vomitou o inferno. Em 30 segundos eu soube que finalmente Queimarás no Inferno nasceria. Após 3 anos ela nasceu. Janson personificou o estorvo que cria e os tiros nos pés.

Obrigado por isso, Janson.  
Obrigado por tudo, Paulo. Por dividir essa maldição de tentar fazer algo que possa ter a arrogância de querer ser arte.
Flutue pelos céus meu amigo. Vc sempre será um dos raros.

Agora deu, vamos beber.


  




Queimarás no inferno - (Zupo) Outro sol se apaga, só se ouve o grito. Aquele eterno, não. Plana contra o vento a esperança aflita e débil beija o chão. É o estorvo que cria. São dois tiros nos pés. Um constrangimento à simples menção. E o isolamento não é mais solidão mas pelo sim pelo não, queimarás no inferno. Falha minha voz, não dá nenhum grito. Nem quer qualquer razão. É o estorvo que cria. São dois tiros nos pés Um constrangimento à simples menção. E o isolamento não é mais solidão mas pelo sim pelo não, queimarás no inferno. É o estorvo que cria. São os tiros nos pés Um constrangimento à simples menção. E o isolamento não é mais solidão mas pelo sim pelo não, queimarás no inferno.
Xando Zupo - Guitarra Fernando Janson - Vocal André Knobl - Sax Norton Lagoa - Baixo Ivan Scartezini - Bateria